- A lenda de Kuchisake-onna teve origem no Japão e foi adaptada à cultura japonesa e coreana.
- Seu mito se espalhou pelo cinema, mangá e televisão, tornando-se um símbolo de terror e reflexão social.
- A história original varia de acordo com a região, mas sempre mantém sua essência de advertência e mistério.
A lenda de Kuchisake-onna, conhecida como a mulher da boca cortada, é uma das histórias mais perturbadoras e populares do folclore japonês e coreano. Essa figura fantasmagórica foi passada de geração em geração e se transformou em inspiração para filmes, séries e mangás, conquistando crianças e adultos. Sua história, envolta em mistério, conta o retorno de uma mulher marcada por uma tragédia pessoal e uma violência tão brutal que a transformou em um símbolo de alerta e um mito urbano.
Nas linhas a seguir você mergulhará no universo fascinante e sombrio de Kuchisake-onna. Você descobrirá suas origens, as diferentes versões de sua lenda, sua evolução ao longo dos séculos e por que ela continua tão presente na cultura popular contemporânea. Também exploraremos sua aparência, o ritual que segue com suas vítimas, o contexto histórico em que surgiu e as diferentes maneiras como a lenda se manifesta no Japão e na Coreia do Sul.
Origem e evolução da lenda
Kuchisake-onna é uma figura lendária do folclore japonês, considerada tanto um yōkai quanto um onryō, ou seja, um espírito ou demônio vingativo. Seu mito se espalhou pelo Japão e, ao longo dos anos, também apareceu na Coreia do Sul e na China, assumindo nuances próprias.
A história mais antiga da mulher com a boca cortada remonta aos séculos XVII e XIX, durante o período Edo no Japão. Naquela época, histórias sobre mulheres espectrais e vingativas já faziam parte da literatura popular. Há relatos em livros como "Kaidan Rō no Tsue", que descrevem uma mulher com a boca rasgada que costumava se transformar em uma raposa (kitsune) e atacar viajantes nos arredores de Edo (atual Tóquio). Também em "Ehon Sayo Shigure", de 1801, é narrado como uma cortesã apareceu com a boca cortada até as orelhas, fazendo com que aqueles que a viam desmaiassem.
Versões modernas da lenda atingiram sua maior popularidade na década de 1970. Durante aqueles anos, rumores de avistamentos de Kuchisake-onna se espalharam pelo Japão, gerando histeria em massa. A imprensa local, como o jornal Gifu Shimbun, foi fundamental na disseminação do mito, coletando depoimentos de pessoas que alegaram ter encontrado essa figura perturbadora em cantos solitários, especialmente em dias de neblina.
Na Coreia do Sul, a lenda ganhou destaque em 2004 sob o nome "Ppalgan maseukeu yeoja" (a mulher com a máscara vermelha). Lá, está ligado ao surgimento da cirurgia estética e reflete o medo dos resultados desastrosos de intervenções fracassadas, unindo o mito tradicional aos medos contemporâneos.
Conto clássico de Kuchisake-onna
A história tradicional conta que Kuchisake-onna era uma mulher de grande beleza, mas também vaidosa e, segundo algumas versões, promíscua. Ela se casou com um samurai, um homem honrado e respeitado, mas a vida deles juntos foi marcada pelo ciúme e pela desconfiança.
O gatilho para a lenda geralmente é uma infidelidade real ou suspeita por parte da mulher. Quando o samurai descobre ou suspeita dos casos extraconjugais de sua esposa, ele é tomado por um ataque de fúria e ciúme. Num acesso de raiva, ele bate nela e acaba cortando sua boca de um lado para o outro, enquanto grita: "Quem vai achar você bonita agora?" Em outras variantes, a mulher sofre abusos contínuos e foge para a floresta, onde desaparece para sempre após ser mutilada de forma semelhante.
Após seu assassinato, o espírito da mulher retorna ao mundo terreno, transformado em um espectro vingativo. Transformada em onryō ou yōkai, ela vagueia pelas ruas de cidades japonesas (e, em versões modernas, coreanas) em busca de vítimas para fazê-las sofrer o mesmo destino que ela.
Aparência física e características
A aparência de Kuchisake-onna é tão assustadora quanto inconfundível. A maioria dos relatos a descreve como uma mulher alta, entre 1,75 e 1,80 metros de altura, embora alguns afirmem que ela pode atingir até 2,5 metros. Sua pele é pálida, suas mãos são brancas e seu cabelo é longo e liso, geralmente preto ou castanho, o que reforça sua imagem espectral. Apesar da deformidade, seu rosto é atraente, exceto pela cicatriz horrível que rasga sua boca de orelha a orelha.
Nas histórias antigas, a mulher costumava cobrir seu ferimento usando a manga do quimono ou um leque. Atualmente, a versão mais comum a mostra usando uma máscara cirúrgica ou um cachecol, itens cotidianos no Japão e na Coreia do Sul, principalmente em épocas de resfriados ou para evitar contaminação. Seu traje moderno geralmente é um sobretudo bege ou vermelho, embora haja depoimentos que falam de quimonos, boinas vermelhas, saltos altos, óculos escuros e até mesmo um guarda-chuva vermelho com o qual ela diz ser capaz de voar.
Dizem que os Kuchisake-onna podem carregar diferentes armas afiadas, sendo as mais comuns tesouras longas, mas também facas e foices. Em algumas versões, o espírito se move em velocidades sobre-humanas ou até mesmo se teletransporta, tornando impossível escapar quando ele mira em uma vítima.
O ritual da pergunta e o destino das vítimas
O núcleo da lenda gira em torno do encontro aterrorizante entre Kuchisake-onna e sua vítima. A cena geralmente acontece em ruas desertas, à noite ou em dias de neblina, o que cria uma atmosfera perturbadora e misteriosa.
O ritual começa quando a mulher se aproxima, cobrindo a boca com uma máscara ou lenço, e pergunta em voz baixa: “Eu sou bonita?” (Watashi kirei?) Diante dessa pergunta inocente, o jovem (ou a pessoa a quem a pergunta é dirigida, geralmente homens ou estudantes) tem duas opções:
- Se você responder não: A reação de Kuchisake-onna é devastadora. Ela pega sua tesoura e mata o homem desavisado, cortando sua boca de um lado a outro, replicando nele o mesmo ferimento que a condenou.
- Se você responder sim: A mulher tira a máscara e revela sua boca horrível e cortada. Então ele repete a pergunta: “Mesmo assim?” (Demonstração Kore?).
Nesse segundo momento, a vítima geralmente fica paralisada pelo horror ou responde hesitantemente. Se ele disser não, ele morre brutalmente. Se você responder sim a ambas as perguntas, de acordo com a maioria das versões, Kuchisake-onna lhe dará o mesmo sorriso torto, levando você a compartilhar sua deformidade. Em algumas variações menos comuns, o espírito pode presentear com um rubi encharcado de sangue e partir se ficar satisfeito com a resposta.
Há detalhes linguísticos interessantes: em japonês, a palavra “kirei” (bonito) soa semelhante a “kiru” (cortar), o que acrescenta um duplo sentido macabro à pergunta da lenda.
Você consegue escapar de Kuchisake-onna?
Diz a lenda que é quase impossível escapar dessa entidade. Dizem que ele pode aparecer em qualquer lugar, independentemente de tentativas de fuga, e sua velocidade sobre-humana torna inúteis os esforços para correr. No entanto, a cultura popular criou alguns métodos para evitar o destino trágico:
- Responda de forma ambígua ou com uma pergunta: Se a pessoa sitiada responder com outra pergunta como: “E eu sou bonita?”, a mulher pode ficar surpresa e dar-lhe tempo para fugir.
- Dizendo que você está com pressa: Por respeito aos costumes japoneses, se a vítima disser que não pode falar porque tem um assunto importante para tratar, ela pedirá desculpas e permitirá que ele vá embora.
- Ofereça doces: Em algumas versões, dar doces pode acalmar a raiva da pessoa e deixá-la em paz.
- Mencionando a palavra “pomada” três vezes: Acredita-se que Kuchisake-onna odeia esse produto e vai ficar longe dele.
Apesar de todos esses truques, o perigo representado pelo espectro continua a espreitar no imaginário coletivo japonês e coreano.
Principais variantes e contas alternativas
Como costuma acontecer com lendas urbanas, há diversas variantes adaptadas à região ou período de tempo. Em algumas histórias antigas, a mulher é uma cortesã que é surpreendida em uma casa no distrito da luz vermelha de Yoshiwara (antiga Tóquio) e faz um cliente desmaiar ao mostrar sua boca rasgada. Em outras, ela se transforma em uma kitsune ou raposa, ou é a esposa de um jardineiro que a mata após uma infidelidade.
Há também versões modernas que refletem preocupações atuais. Por exemplo, na Coreia do Sul, diz-se que Kuchisake-onna era uma jovem obcecada pela beleza que recorreu a várias cirurgias plásticas. Por fim, um aprendiz de cirurgião acidentalmente causa um ferimento que rasga sua boca de ponta a ponta. Incapaz de suportar sua nova aparência, a mulher comete suicídio, e seu espírito retorna, cobrindo-a com uma máscara vermelha, símbolo da operação fracassada.
Em algumas partes do Japão, ela é associada ao uso de carros esportivos vermelhos, guarda-chuvas que lhe permitem voar, pentes de buxo e mudanças de traje dependendo do local. Também foi acrescentado que, em certas áreas, o ferimento produzido pode variar dependendo do tipo sanguíneo da vítima: desde um pequeno corte até uma abertura de orelha a orelha.
Histeria em massa e a disseminação contemporânea do mito
O caso de Kuchisake-onna é paradigmático como exemplo de pânico social e lenda urbana que se torna viral. Principalmente no final da década de 70, a disseminação de rumores e supostos avistamentos levou crianças a serem escoltadas por adultos ao saírem da escola, à intervenção policial em cidades como Koriyama e Hiratsuka e à evasão escolar em massa em lugares como Kushiro e Niiza.
A lenda cruzou fronteiras e chegou à Coreia do Sul em 2004. Neste país, a história conseguiu se adaptar a uma sociedade marcada pela pressão estética e pela popularidade das máscaras faciais, combinando perfeitamente com a versão original. Isso manteve o mito vivo e em evolução graças à sua conexão com as preocupações de cada época.
Aparições na cultura popular: cinema, televisão e mangá
Kuchisake-onna é uma das personagens mais recorrentes do terror asiático contemporâneo. Sua história foi adaptada para o cinema em inúmeras ocasiões, sendo o filme "Kuchisake-onna 0: Biginingu" (2008) um dos mais conhecidos e considerados parte da saga "Carved". A trama geralmente gira em torno de mulheres marcadas por traumas, inseguranças ou cirurgias fracassadas, onde a linha entre mito e psicologia se confunde.
No Japão, filmes como “Gakkou no Kaidan” (1996), “Kuchisake” (2005), “Carved” (2007), “Kaiki toshi-densetsu” (2008), “Carved 2” (2008), “Uwasa no Shinsō! Kuchisake-onna” (2008), entre outros, imortalizaram o personagem em diferentes formatos.
Ele também apareceu em séries americanas como “American Horror Story: Freak Show” (2014), “Constantine” (2014) e “True Monsters” (2015), o que demonstra a capacidade expansiva do mito além da Ásia.
No campo do mangá e anime, Kuchisake-onna pode ser vista em títulos como “Yo-Kai Watch”, “Mob Psycho 100”, “Jujutsu Kaisen” (2023) e “Dandadan”. Também inspirou personagens de videogames, como “Touhou 14.5 – Urban Legend in Limbo” ou o popular “Ghostwire: Tokyo”.
Detalhes linguísticos e simbolismo
O poder da lenda Kuchisake-onna também está no jogo de palavras e no simbolismo subjacentes. A interação entre "kirei" (belo) e "kiru" (cortado) nada mais é do que um alerta sobre a superficialidade e os perigos do narcisismo e da vaidade. Sua aparição como figura feminina punida pela sociedade ou pelos homens também contém uma reflexão social sobre o papel da mulher e a violência de gênero.
Ela também contrasta com figuras semelhantes de outras culturas, como La Llorona na América Latina ou La Siguanaba na América Central, com quem compartilha a ideia de mulheres que retornam do além em busca de vingança. No entanto, Kuchisake-onna se destaca por sua capacidade de se adaptar aos tempos e se fundir com realidades atuais, como cirurgia plástica, obsessão pela beleza e uso de máscaras faciais.
Características sobrenaturais e poderes atribuídos
Em diferentes versões da lenda, Kuchisake-onna é atribuída a poderes sobrenaturais e habilidades incomuns. Entre os principais estão:
- Velocidade sobre-humana: Há relatos de que ele consegue correr 100 km em apenas 3 segundos e até se teletransportar.
- Força e resistência: Suas habilidades físicas superam qualquer limite humano, tornando-a invulnerável a ataques convencionais e permitindo que ela inflija ferimentos letais facilmente.
- Manipulação psicológica: Ele usa sua aparência e a natureza enigmática de suas perguntas para semear pânico e paralisar suas vítimas.
- Imortalidade ou resistência infinita: Por ser um espírito vingativo, ela não precisa se alimentar ou descansar, o que a torna uma ameaça persistente.
Sua principal fraqueza está em seus maneirismos e truques mentais, como já mencionado, mas ninguém jamais conseguiu derrotá-la definitivamente, segundo a tradição.
A mulher boca-dura hoje
Apesar dos avanços tecnológicos e das mudanças sociais, a lenda de Kuchisake-onna continua tão relevante quanto era décadas atrás. Ela foi capaz de sofrer mutações e se adaptar aos medos coletivos de cada geração. Do medo da violência de gênero ao medo da cirurgia plástica e do uso de máscaras faciais, a mulher com a boca cortada se tornou um símbolo híbrido de folclore e modernidade.
Crianças japonesas e coreanas ainda ouvem histórias sobre ela na escola, as ruas ainda são palco de brincadeiras e avistamentos, e a cultura popular continua a manter sua memória viva. Embora seja improvável que você realmente encontre Kuchisake-onna, sua figura convida à reflexão sobre a importância da cautela diante do desconhecido e sobre os custos sociais e pessoais da obsessão pela aparência física.
Entre mitologia e cultura pop, Kuchisake-onna já é um ícone global de terror e lenda urbana. Sua história, cheia de nuances e versões, é apreciada tanto como uma história de terror quanto por seu valor simbólico e educativo.